João Torres de Mello Neto
Por que ensinar ciência e matemática a um adolescente?
Duas de várias respostas possíveis: i) preparar melhor os jovens para um
mercado de trabalho cada vez mais competitivo e globalizado; ii) numa sociedade
de base tecnológica, é preciso compreender (ainda que minimamente) os
princípios básicos do mundo que nos cerca.
Há outras respostas de cunho utilitarista, todas
importantes e defensáveis. No entanto, prefiro uma, mais genérica: o propósito
da educação científica é dar às pessoas uma percepção mais rica da realidade,
permitir que se maravilhem diante dos detalhes do mundo, fazêlas ver – no
dizer do poeta inglês William Blake (1757-1827) – o infinito num grão de areia.
Todo o resto se segue naturalmente.
Mas, como professor, sei que isso é tarefa (muito)
difícil. Tornar uma aula interessante, explicar os princípios básicos, separar
o fundamental do circunstancial, conectar o assunto com a realidade... Isso
requer não só dedicação, conhecimento e experiência profissional, mas também (e
tão importante quanto) condições mínimas de trabalho.
Como seria uma escola ideal? Muitos pensariam num
prédio moderno e funcional, com excelente biblioteca, laboratório de informática
bem equipado, laboratórios de química, física e biologia, oficinas de música e
artes, atividades extraclasse... Mas, se tivéssemos que escolher, o que seria
fundamental?
A mídia tem noticiado: existe algo especial em
Cocal dos Alves, no Piauí. Povoada em grande parte por agricultores com baixo nível
de escolaridade, a pequena cidade não tem linhas de ônibus, e sua escola sequer
tem telefone fixo. A cidade, no entanto, já produziu quatro medalhistas de ouro
na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep): José Márcio
de Brito, 15 anos; Clara Mariane de Oliveira, 13 anos; Antônio Wesley Vieira,
13 anos; e Sandoel de Brito Oliveira, 17 anos.
Numa competição com cerca de 20 milhões de alunos
de todo o Brasil, a cidade aparece como uma singularidade. A internet revela
que Cocal dos Alves, em 2004, tinha cerca de 6 mil habitantes. Arredondando, isso
dá um medalhista de ouro para cada 2 mil habitantes – o estado de São Paulo tem
um deles para cada 500 mil habitantes.
Supondo não haver uma variável desconhecida, a razão
do sucesso está no professor Antônio Cardoso do Amaral. Formado em matemática
pela Universidade Estadual do Piauí, ele trabalha há nove anos em Cocal dos
Alves. À TV, declarou que a receita era “esforço honesto e trabalho com
persistência”. A cidade já teve 120 alunos premiados na Obmep. Vemos aqui a
diferença que um professor bem motivado e comprometido pode fazer. E tão ou
mais importante: que crianças de extratos sociais menos favorecidos podem ter
desempenho escolar excelente.
Matemática e física são vistas como complicadas pela
maioria dos estudantes do ensino médio. Associase uma série de estereótipos a
quem gosta dessas disciplinas. Muitas vezes, ensinase que contas são para meninos
e palavras para meninas. E a imagem do cientista na mídia, na literatura e no
cinema não ajuda: de Fausto, que vendeu a alma ao diabo no clássico do escritor
alemão Johann W. Goethe (17491832), aos divertidos ratinhos de desenho animado
Pink e Cérebro, raras vezes os cientistas têm sido apresentados de forma
positiva.
Imagino a escola ideal num prédio moderno,
funcional, limpo e colorido. Mas, acima de tudo, um lugar que apresente a
ciência e a matemática como grandes realizações da humanidade, parte de nosso
tesouro cultural, ao lado (e com o mesmo peso) das artes e da literatura. Seu
corpo docente, entusiasmado e bem preparado, seria bem pago e socialmente valorizado.
Os alunos, esquecidos os estereótipos, usufruiriam da aventura de conhecer.
Cocal dos Alves nos dá a pista.
Revista Ciência Hoje, n. 285, v. 48, p. 71, setembro 2011.
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